sábado, 26 de março de 2011

Quaresma 2011

27/03/2011 – 3º DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA – ANO A


Primeira leitura (Êxodo 17,3-7)
Salmo (Salmos 94)
Não fecheis, irmãos, o vosso coração, / como outrora no deserto!
Segunda leitura (Romanos 5,1-2.5-8)
Evangelho (João 4,5-15.19b-26.39a.40-42)


Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João

Naquele tempo, 5Jesus chegou a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacó tinha dado ao seu filho José. 6Era aí que ficava o poço de Jacó. Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto ao poço. Era por volta do meio-dia. 7Chegou uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe disse: “Dá-me de beber”. 8Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. 9A mulher samaritana disse então a Jesus: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” De fato, os judeus não se dão com os samaritanos. 10Respondeu-lhe Jesus: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva”. 11A mulher disse a Jesus: “Senhor, nem sequer tens balde e o poço é fundo. De onde vais tirar a água viva? 12Por acaso, és maior que nosso pai Jacó, que nos deu o poço e que dele bebeu, como também seus filhos e seus animais?” 13Respondeu Jesus: “Todo aquele que bebe desta água terá sede de novo. 14Mas quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. 15A mulher disse a Jesus: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la”. 19A mulher disse a Jesus, Senhor, vejo que és um profeta! 20Os nossos pais adoraram neste monte mas vós dizeis que em Jerusalém é que se deve adorar”. 21Disse-lhe Jesus: “Acredita-me, mulher: está chegando a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. 22Vós adorais o que não conheceis. Nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. 23Mas está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. De fato, estes são os adoradores que o Pai procura. 24Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade”. 25A mulher disse a Jesus: “Sei que o Messias (que se chama Cristo) vai chegar. Quando ele vier, vai nos fazer conhecer todas as coisas”. 26Disse-lhe Jesus: “Sou eu, que estou falando contigo”. 39Muitos samaritanos daquela cidade abraçaram a fé em Jesus, por causa da palavra da mulher que testemunhava: “Ele me disse tudo o que eu fiz”. 40Por isso, os samaritanos vieram ao encontro de Jesus e pediram que permanecesse com eles. Jesus permaneceu aí dois dias. 41E muitos outros creram por causa da sua palavra. 42E disseram à mulher: “Já não cremos por causa das tuas palavras, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é verda­deiramente o salvador do mundo”. – Palavra da Salvação.


Ensina o Papa Bento XVI:

“O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna» (v. 14): é o dom do espírito Santo, que faz dos cristãos «verdadeiros adoradores» capazes de rezar ao Pai «em espírito e verdade» (v. 23). Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, «enquanto não repousar em Deus», segundo as célebres palavras de Santo Agostinho.” (Papa Bento XVI, Mensagem para a Quaresma,2011)

domingo, 13 de março de 2011

Quaresma 2011 - 1º Domingo da Quaresma


1º Domingo da Quaresma – Ano A
13 de março de 2011

Leituras
Gn 2,7-9;3,1-7 = Criação e pecado dos primeiros pais.
Sl 50 = Piedade, Senhor, tende piedade.
Rm 5,12-19 = Onde abundou o pecado, aí superabundou a graça.
Mt 4,1-11 = Jesus jejuou durante quarenta dias e foi tentado

“SÓ A DEUS ADORARÁS”

O Santo Padre fala: "Esta é a ocasião favorável para reconhecer o pecado, que ofusca a nossa relação com Deus e com os irmãos."

«Perdoai-nos, Senhor: temos pecado». A invocação do salmo responsorial, há pouco entoada na nossa assembleia, exprime de modo significativo o sentimento que nos anima neste primeiro domingo da Quaresma. Estamos no início de um itinerário especial de penitência e de conversão. Damos conta de que se trata de uma ocasião favorável para reconhecer o pecado, que ofusca a nossa relação com Deus e com os irmãos. «Reconheço as minhas culpas proclama o Salmista, o meu pecado está sempre diante de mim. / Contra Vós apenas é que eu pequei, pratiquei o mal perante os vossos olhos» (Sl 50, 5-6). O que seja o pecado e as consequências que produz na vida do homem está bem indicado também desde a primeira página do livro do Génesis, que escutámos (cf. Gn 3, 1-7). Os nossos pais cederam às lisonjas do tentador, interrompendo bruscamente o diálogo de confiança e de amor que tinham com Deus. O mal, o sofrimento e a morte entram assim no mundo e será preciso esperar o Salvador prometido para restabelecer, de modo ainda mais admirável, o plano original do Criador (cf. Ib 3, 8-24).

À insidiosa acção do Maligno não foge o Messias, como narra São Mateus na página evangélica de hoje: «O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio» (Mt 4, 1). No deserto, Ele foi submetido a uma tríplice tentação de satanás, a que, porém, resiste com decisão. Jesus afirma com vigor que não é lícito pôr Deus à prova; não é permitido prestar culto a um outro deus; não se pode decidir por si mesmo o próprio destino. A última referência de cada crente é a Palavra que sai da boca do Senhor.

Nestas breves linhas está delineado o programa do nosso caminho espiritual. Também nós somos chamados a atravessar o deserto de cada dia, enfrentando as tentações que aparecem para nos afastar de Deus. Somos convidados a imitar a atitude do Senhor, que se volta, decisivo, para a obediência à palavra do Pai do céu e, desse modo, restabelece a hierarquia de valores segundo o projecto divino original. […]

«Como pela desobediência de um só, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornaram justos» (Rom 5, 19). Esta consoladora palavra do Apóstolo Paulo aos Romanos conforta-nos no nosso caminho espiritual. No mundo, dominado tantas vezes pelo mal e pelo pecado, resplandece vitoriosa a luz de Cristo. Ele, com a sua paixão e ressurreição venceu o pecado e a morte, abrindo aos crentes as portas da salvação eterna. Eis a encorajadora mensagem que tiramos da liturgia de hoje. Para participar plenamente na vitória de Cristo, é necessário, porém, empenhar-se em mudar, à luz da palavra de Deus, o próprio modo de pensar e de agir. «Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai no meu interior um espírito recto» (Sl 50, 12). Façamos nossa esta invocação do Salmista. É uma oração muito mais oportuna no tempo da Quaresma. […]

Papa João Paulo II,
na Paróquia Romana de Santo Henrique
17 de Fevereiro de 2002

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quarta-feira, 9 de março de 2011

Homilia da Quarta-feira de Cinzas


Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus (Mt 6,1-6.16-18)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1“Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus.
Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens.
Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 3Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, 4de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa.
Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens.
Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 6Ao contrário, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa.
Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando.
Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa”.
Palavra da Salvação.

Comentário - Renovai o meu interior

"Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai ao meu interior um espírito reto" (Salmo 50, 12).

Estas palavras do Salmo responsorial contêm, num certo sentido, o núcleo mais profundo da Quaresma e, ao mesmo tempo, exprimem o seu programa essencial. São palavras tiradas do salmo Miserere, no qual o pecador abre o próprio coração a Deus, confessa a própria culpabilidade e implora a remissão dos pecados: "Lavai-me totalmente das minhas iniqüidades, purificai-me dos meus delitos. Reconheço, de verdade, as minhas culpas, o meu pecado está sempre diante de mim. Contra Vós apenas é que eu pequei, pratiquei o mal perante os Vossos olhos... Não me afasteis da Vossa presença nem me priveis do Vosso santo espírito" (ibid., 50, 46.13).

Este Salmo constitui um comentário litúrgico de singular eficácia ao rito das Cinzas. A cinza é sinal da caducidade do homem e da sua submissão à morte. Neste tempo em que nos preparamos para reviver liturgicamente o mistério da morte do Redentor na cruz, devemos sentir e viver de modo mais profundo a nossa mortalidade. Somos seres mortais, contudo, a nossa morte não significa destruição nem aniquilamento. Deus inscreveu nela a perspectiva profunda da nova criação. Por isso o pecador que celebra a Quarta-Feira de Cinzas pode e deve bradar: "Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai ao meu interior um espírito reto" (ibid., 50, 12).

Na Quaresma a certeza desta nova criação brota da luz do mistério de Cristo: mistério da Sua paixão, morte e ressurreição. São Paulo, na Liturgia hodierna, afirma: "Suplicamo-vos, pois, em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não havia conhecido pecado, Deus O fez pecado por nós para que nos tornássemos n’Ele justiça de Deus" (2 Cor. 5, 20-21). Aceitando experimentar na Sua carne o drama da morte humana, Cristo tornou-Se partícipe do aspecto destrutível ligado à existência temporal do homem. O Apóstolo fala disto com muita clareza, quando afirma: "Deus O fez pecado". Isto significa que Deus tratou Cristo, "Aquele que não havia conhecido pecado", como se fosse um pecador, e isto em nosso favor. Com efeito, Cristo compartilhou a nossa sorte de homens sobrecarregados pelo pecado, para que por meio d’Ele pudéssemos tornar-nos justiça de Deus. Por esta nossa fé em Cristo podemos bradar juntamente com o Salmista: "Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai ao meu interior um espírito reto» (Salmo 50, 12). Para que serviria a imposição das cinzas, se não nos iluminasse a esperança da vida nova, da nova criação, que Deus nos deu em Cristo?

Durante todo o Ano litúrgico a Igreja vive do Sacrifício redentor de Cristo. Contudo, no tempo da Quaresma, desejamos imergir-nos nele de modo particularmente intenso, segundo a exortação do Apóstolo: "É este o tempo favorável; este é o dia da salvação!"» (2 Cor. 6, 2). Neste tempo forte foram-nos dispensados, de um modo muito especial, os tesouros da redenção, que Cristo crucificado e ressuscitado nos obteve. A exclamação do Salmista: "Criai em mim... um coração novo e renovai ao meu interior um espírito reto" tornou-se, assim, no início da Quaresma, um forte apelo à conversão.

Com as palavras do salmo Miserere o pecador não só acusa as próprias culpas, mas inicia ao mesmo tempo um novo itinerário criativo, o caminho da conversão: "Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração" (Joel 2, 12), diz em nome de Deus o profeta Joel na primeira Leitura. "Converter-se" significa, por conseguinte, entrar em profunda intimidade com Deus, como propõe também o Evangelho de hoje.

Uma conversão autêntica implica o cumprimento de todas aquelas obras que são próprias do tempo da Quaresma: a esmola, a oração, o jejum. Contudo, elas não devem ser vividas apenas como cumprimento exterior, mas como expressão do encontro íntimo, e em certa medida desconhecido aos homens, com o próprio Deus. A conversão comporta uma nova descoberta de Deus. Na conversão, experimenta-se que n’Ele reside a plenitude do bem, que foi revelada no mistério pascal de Cristo, e dela se bebe a mãos-cheias na morada íntima do coração.

Deus espera isto! Deus quer criar em nós um coração puro e renovar em nós um espírito reto. E nós, no início desta Quaresma, queremos abrir a nossa alma à graça de Deus, para vivermos intensamente o itinerário de conversão rumo à Páscoa.

Homilia do Papa João Paulo II por
ocasião da quarta-feira
12 de Fevereiro de 1997
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Mensagem Quaresma 2011


Mensagem do Papa para a Quaresma 2011


“Sepultados com Ele no batismo, foi também com Ele que ressuscitastes”

(cf. Cl 2, 12)

Amados irmãos e irmãs!

A Quaresma, que nos conduz à celebração da Santa Páscoa, é para a Igreja um tempo litúrgico muito precioso e importante, em vista do qual me sinto feliz por dirigir uma palavra específica para que seja vivido com o devido empenho. Enquanto olha para o encontro definitivo com o seu Esposo na Páscoa eterna, a Comunidade eclesial, assídua na oração e na caridade laboriosa, intensifica o seu caminho de purificação no espírito, para haurir com mais abundância do Mistério da redenção a vida nova em Cristo Senhor (cf. Prefácio I de Quaresma).

1. Esta mesma vida já nos foi transmitida no dia do nosso Batismo, quando, «tendo-nos tornado partícipes da morte e ressurreição de Cristo» iniciou para nós «a aventura jubilosa e exaltante do discípulo» (Homilia na Festa do Batismo do Senhor, 10 de Janeiro de 2010). São Paulo, nas suas Cartas, insiste repetidas vezes sobre a singular comunhão com o Filho de Deus realizada neste lavacro. O fato que na maioria dos casos o Batismo se recebe quando somos crianças põe em evidência que se trata de um dom de Deus: ninguém merece a vida eterna com as próprias forças. A misericórdia de Deus, que lava do pecado e permite viver na própria existência «os mesmos sentimentos de Jesus Cristo» (Fl 2, 5), é comunicada gratuitamente ao homem.

O Apóstolo dos gentios, na Carta aos Filipenses, expressa o sentido da transformação que se realiza com a participação na morte e ressurreição de Cristo, indicando a meta: que assim eu possa «conhecê-Lo, a Ele, à força da sua Ressurreição e à comunhão nos Seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos» (Fl 3, 1011). O Batismo, portanto, não é um rito do passado, mas o encontro com Cristo que informa toda a existência do batizado, doa-lhe a vida divina e chama-o a uma conversão sincera, iniciada e apoiada pela Graça, que o leve a alcançar a estatura adulta de Cristo.

Um vínculo particular liga o Batismo com a Quaresma como momento favorável para experimentar a Graça que salva. Os Padres do Concílio Vaticano II convidaram todos os Pastores da Igreja a utilizar «mais abundantemente os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal» (Const. Sacrosanctum Concilium, 109). De fato, desde sempre a Igreja associa a Vigília Pascal à celebração do Batismo: neste Sacramento realiza-se aquele grande mistério pelo qual o homem morre para o pecado, é tornado partícipe da vida nova em Cristo Ressuscitado e recebe o mesmo Espírito de Deus que ressuscitou Jesus dos mortos (cf. Rm 8, 11). Este dom gratuito deve ser reavivado sempre em cada um de nós e a Quaresma oferece-nos um percurso análogo ao catecumenato, que para os cristãos da Igreja antiga, assim como também para os catecúmenos de hoje, é uma escola insubstituível de fé e de vida cristã: deveras eles vivem o Batismo como um ato decisivo para toda a sua existência.

2. Para empreender seriamente o caminho rumo à Páscoa e nos prepararmos para celebrar a Ressurreição do Senhor – a festa mais jubilosa e solene de todo o Ano litúrgico – o que pode haver de mais adequado do que deixar-nos conduzir pela Palavra de Deus? Por isso a Igreja, nos textos evangélicos dos domingos de Quaresma, guia-nos para um encontro particularmente intenso com o Senhor, fazendo-nos refazer as etapas do caminho da iniciação cristã: para os catecúmenos, na perspectiva de receber o Sacramento do renascimento, para quem é batizado, em vista de novos e decisivos passos no seguimento de Cristo e na doação total a Ele.

O primeiro domingo do itinerário quaresmal evidencia a nossa condição do homem nesta terra. O combate vitorioso contra as tentações, que dá início à missão de Jesus, é um convite a tomar consciência da própria fragilidade para acolher a Graça que liberta do pecado e infunde nova força em Cristo, caminho, verdade e vida (cf. Ordo Initiationis Christianae Adultorum, n. 25). É uma clara chamada a recordar como a fé cristã implica, a exemplo de Jesus e em união com Ele, uma luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso» (Ef 6, 12), no qual o diabo é ativo e não se cansa, nem sequer hoje, de tentar o homem que deseja aproximar-se do Senhor: Cristo disso sai vitorioso, para abrir também o nosso coração à esperança e guiar-nos na vitória às seduções do mal.

O Evangelho da Transfiguração do Senhor põe diante dos nossos olhos a glória de Cristo, que antecipa a ressurreição e que anuncia a divinização do homem. A comunidade cristã toma consciência de ser conduzida, como os apóstolos Pedro, Tiago e João, «em particular, a um alto monte» (Mt 17, 1), para acolher de novo em Cristo, como filhos no Filho, o dom da Graça de Deus: «Este é o Meu Filho muito amado: Nele pus todo o Meu enlevo. Escutai-O» (v. 5). É o convite a distanciar-se dos boatos da vida quotidiana para se imergir na presença de Deus: Ele quer transmitir-nos, todos os dias, uma Palavra que penetra nas profundezas do nosso espírito, onde discerne o bem e o mal (cf. Hb 4, 12) e reforça a vontade de seguir o Senhor.

O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna» (v. 14): é o dom do espírito Santo, que faz dos cristãos «verdadeiros adoradores» capazes de rezar ao Pai «em espírito e verdade» (v. 23). Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, «enquanto não repousar em Deus», segundo as célebres palavras de Santo Agostinho.

O domingo do cego de nascença apresenta Cristo como luz do mundo. O Evangelho interpela cada um de nós: «Tu crês no Filho do Homem?». «Creio, Senhor» (Jo 9, 35.38), afirma com alegria o cego de nascença, fazendo-se voz de todos os crentes. O milagre da cura é o sinal que Cristo, juntamente com a vista, quer abrir o nosso olhar interior, para que a nossa fé se torne cada vez mais profunda e possamos reconhecer Nele o nosso único Salvador. Ele ilumina todas as obscuridades da vida e leva o homem a viver como «filho da luz».

Quando, no quinto domingo, nos é proclamada a ressurreição de Lázaro, somos postos diante do último mistério da nossa existência: «Eu sou a ressurreição e a vida… Crês tu isto?» (Jo 11, 25-26). Para a comunidade cristã é o momento de depor com sinceridade, juntamente com Marta, toda a esperança em Jesus de Nazaré: «Sim, Senhor, creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo» (v. 27). A comunhão com Cristo nesta vida prepara-nos para superar o limite da morte, para viver sem fim Nele. A fé na ressurreição dos mortos e a esperança da vida eterna abrem o nosso olhar para o sentido derradeiro da nossa existência: Deus criou o homem para a ressurreição e para a vida, e esta verdade doa a dimensão autêntica e definitiva à história dos homens, à sua existência pessoal e ao seu viver social, à cultura, à política, à economia. Privado da luz da fé todo o universo acaba por se fechar num sepulcro sem futuro, sem esperança.

O percurso quaresmal encontra o seu cumprimento no Tríduo Pascal, particularmente na Grande Vigília na Noite Santa: renovando as promessas batismais, reafirmamos que Cristo é o Senhor da nossa vida, daquela vida que Deus nos comunicou quando renascemos «da água e do Espírito Santo», e reconfirmamos o nosso firme compromisso em corresponder à ação da Graça para sermos seus discípulos.

3. O nosso imergir-nos na morte e ressurreição de Cristo através do Sacramento do Batismo, estimula-nos todos os dias a libertar o nosso coração das coisas materiais, de um vínculo egoísta com a «terra», que nos empobrece e nos impede de estar disponíveis e abertos a Deus e ao próximo. Em Cristo, Deus revelou-se como Amor (cf 1 Jo 4, 7-10). A Cruz de Cristo, a «palavra da Cruz» manifesta o poder salvífico de Deus (cf. 1 Cor 1, 18), que se doa para elevar o homem e dar-lhe a salvação: amor na sua forma mais radical (cf. Enc. Deus caritas est, 12). Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões do empenho de conversão, a Quaresma educa para viver de modo cada vez mais radical o amor de Cristo. O Jejum, que pode ter diversas motivações, adquire para o cristão um significado profundamente religioso: tornando mais pobre a nossa mesa aprendemos a superar o egoísmo para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso «eu», para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos. Para o cristão o jejum nada tem de intimista, mas abre em maior medida para Deus e para as necessidades dos homens, e faz com que o amor a Deus seja também amor ao próximo (cf. Mc 12, 31).

No nosso caminho encontramo-nos perante a tentação do ter, da avidez do dinheiro, que insidia a primazia de Deus na nossa vida. A cupidez da posse provoca violência, prevaricação e morte: por isso a Igreja, especialmente no tempo quaresmal, convida à prática da esmola, ou seja, à capacidade de partilha. A idolatria dos bens, ao contrário, não só afasta do outro, mas despoja o homem, torna-o infeliz, engana-o, ilude-o sem realizar aquilo que promete, porque coloca as coisas materiais no lugar de Deus, única fonte da vida. Como compreender a bondade paterna de Deus se o coração está cheio de si e dos próprios projetos, com os quais nos iludimos de poder garantir o futuro? A tentação é a de pensar, como o rico da parábola: «Alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos…». «Insensato! Nesta mesma noite, pedir-te-ão a tua alma…» (Lc 12, 19-20). A prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à atenção para com o próximo, para redescobrir o nosso Pai bom e receber a sua misericórdia.

Em todo o período quaresmal, a Igreja oferece-nos com particular abundância a Palavra de Deus. Meditando-a e interiorizando-a para vivê-la quotidianamente, aprendemos uma forma preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciamos no dia do Batismo. A oração permite-nos também adquirir uma nova concepção do tempo: de fato, sem a perspectiva da eternidade e da transcendência ele cadencia simplesmente os nossos passos rumo a um horizonte que não tem futuro. Ao contrário, na oração encontramos tempo para Deus, para conhecer que «as suas palavras não passarão» (cf. Mc 13, 31), para entrar naquela comunhão íntima com Ele «que ninguém nos poderá tirar» (cf. Jo 16, 22) e que nos abre à esperança que não desilude, à vida eterna.

Em síntese, o itinerário quaresmal, no qual somos convidados a contemplar o Mistério da Cruz, é «fazer-se conformes com a morte de Cristo» (Fl 3, 10), para realizar uma conversão profunda da nossa vida: deixar-se transformar pela ação do Espírito Santo, como São Paulo no caminho de Damasco; orientar com decisão a nossa existência segundo a vontade de Deus; libertar-nos do nosso egoísmo, superando o instinto de domínio sobre os outros e abrindo-nos à caridade de Cristo. O período quaresmal é momento favorável para reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo.

Queridos irmãos e irmãs, mediante o encontro pessoal com o nosso Redentor e através do jejum, da esmola e da oração, o caminho de conversão rumo à Páscoa leva-nos a redescobrir o nosso Batismo. Renovemos nesta Quaresma o acolhimento da Graça que Deus nos concedeu naquele momento, para que ilumine e guie todas as nossas ações. Tudo o que o Sacramento significa e realiza, somos chamados a vivê-lo todos os dias num seguimento de Cristo cada vez mais generoso e autêntico. Neste nosso itinerário, confiemo-nos à Virgem Maria, que gerou o Verbo de Deus na fé e na carne, para nos imergir como ela na morte e ressurreição do seu Filho Jesus e ter a vida eterna.



Vaticano, 4 de Novembro de 2010.


BENEDICTUS PP. XVI


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